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o paradoxo da salvação

Bruno Goularte

Atualizado: 29 de jun. de 2022

*Bruno Goularte



Não levar as coisas tão a sério é não procurar a salvação em coisas.


É não procurar salvação alguma.


Quando eu digo ou acho que preciso ser salvo, quando eu busco por uma salvação, estou me reduzindo a partes presas, perdidas, cansadas, doentes, em mim.


Estou ligando a identificação do que eu sou a um objeto que corre perigo.


E então eu levo todo o tipo de coisas a sério demais. Porque afinal tudo que eu sou corre perigo.


Desde uma terapia a um relacionamento, ou a um trabalho ou projeto novo que não sei se sou suficientemente bom para ele.


Provavelmente eu ache que não sou, afinal, tô me identificando com uma parte muito reduzida de mim.


E isso faz eu achar que corro perigo de seguir assim por mais tempo. Que não vou conseguir a salvação.


Quantas pessoas solteiras acham que precisam de um relacionamento para dar jeito na vida? Ou quantas pessoas que se relacionam acham que precisam mudar alguma coisa? Ou então tem tanto medo que aquilo acabe e se agarram até ao que lhes faz mal....


Quando a gente acha que precisa de algo que não temos, estamos dando o nome de salvação a qualquer uma dessas coisas. Como um relacionamento. Um aumento. Um emprego melhor. Um emprego que seja.


No ano passado, um cliente me procurou porque estava com problemas em seu relacionamento. Foi um período onde muitas pessoas com problemas em seus relacionamentos ou julgando que tinham problemas por não ter um relacionamento me procuraram.


Para cada pessoa o trabalho estava em um foco diferente, em uma raiz diferente. Mas, havia em todas, essa coisa de colocar a área do relacionamento afetivo em suas vidas como se fosse o santo graal.


Eu vi, na história daquele homem, que ele veio nesta vida com a possibilidade de ter muitos relacionamentos. O que de fato parece que teve (e que seguiu tendo).


Ele se preocupou quando falei isso. “Quer dizer que eu e minha namorada vamos acabar em algum momento então?”


Pra mim parecia que sim. Mas eu não sabia. Não tem como saber. de fato. Nem diria isso pra ele. Não era por isso que eu identifiquei essa propensão nas malhas dele.


Eu identifiquei porque havia um recado ali.


Um recado para que ele não levasse esses relacionamentos todos que teve e tinha tão a sério. Como se tivessem sido erros os que acabaram, ou tivessem havido falhas. A mensagem que senti de dizer para ele é algo que levei pra vida depois.


Imagine que se relacionar com alguém é como conhecer um lugar diferente. Que você nunca visitou antes.


Você pode planejar viajar e achar que tal cidade vai trazer descanso, ou diversão.


E ela pode trazer isso mesmo. Mas também vai trazer armadilhas. Às vezes vai ser difícil chegar porque a estrada é ruim e a viagem cansativa. Às vezes choveu muito e você não pôde aproveitar o ar livre daquele lugar como gostaria. Às vezes foi maravilhoso mas muito diferente do que você esperava. Às vezes tão bom quanto você esperava. Às vezes foi legal mas o lugar tem violência e você foi assaltado. Às vezes você detestou.


Alguns lugares, você gostaria de voltar e conhecer melhor. Outros você acha que já bastou e tem opções que colocaria na frente em uma próxima viagem. Alguns você gostou tanto que trabalha e economiza por anos para ter uma casinha lá um dia. Outros você resolve se mudar imediatamente e muda sua vida inteira por conta daquilo mesmo que isso te traga alguns prejuízos.


Todos vão trazer inúmeras coisas que você não esperava e você pode julgar boas ou ruins. Tá tudo bem, faz parte do jogo e no fim das contas é só uma viagem, você ainda pode voltar para casa.


No fim das contas, todo relacionamento afetivo é só uma viagem. Você pode projetar o que quiser em cima dele e se decepcionar ou confirmar suas projeções. Você pode resolver passar anos ali e ser ótimo e desafiador. Ou tóxico e estagnante para todo o resto das suas pretensões. Mas no fim das contas você pode voltar pra casa. Você vai voltar diferente, com novas perspectivas, mais conhecimento, e isso pode até mudar o jeito que você se relaciona com sua própria casa.


Não precisa ser tão sério assim. Não preciso ficar tão preso nos erros da longa e tortuosa viagem que acabou há dois anos ou no mês passado. Ela deixou marcas, ok. Mas uma marca é algo morto. Só conhecimento. Só memória. Eu não sou só o que conheço. O meu corpo não é a cicatriz que habita nele. Nenhum corpo vive apenas em função de suas feridas.


Um corpo pode estar com braços e pernas paralisados porque estão feridos depois de um acidente, mas o coração ainda tá batendo pra fazer seus corres, os intestinos tão tratando de trabalhar pra liberar espaço e o cérebro tá decodificando uma porção de coisas além disso.


Achar que o corpo inteiro depende do sucesso da cicatrização das feridas dos braços é resumir o seu corpo à dor que o corpo sente. É levar os cortes a sério demais.


Você cuida dos cortes. Deixa o corpo cuidar dos cortes. E sabe que eles vão fechar em algum momento.


Quando as pessoas se identificam com a dor de um relacionamento passado em demasia, levando a sério demais, ela costuma transportar a dor pro seu presente.


É um dos muitos motivos que podem fazer com que depois de um relacionamento difícil a gente não consiga mais se relacionar ou siga atraindo padrões parecidos em novos relacionamentos.


Não escrevo isso pra menosprezar a dor. Algumas são terríveis. Levam tempo e muitos cuidados e atitudes pra sarar. Mesmo assim podem ser levadas menos a sério do que muitas vezes costumamos levar.


Compare a uma viagem.


Ok, tudo foi horrível naquela viagem. O mar era bravo e eu me afoguei. A desigualdade era grande, a segurança pífia, e fui assaltado. Os motoristas todos uns irresponsáveis, um deles destruiu o meu carro e feriu minha cervical. Mas foi só uma viagem. Agora tô em casa, cuidando da minha vida, não preciso ficar preso nessas memórias, e quem sabe eu me organize e encontre um lugar melhor pra visitar no futuro.


(A um nível mais metafísico, voltar para casa é apenas voltar para si mesmo. Mesmo quando viajamos, não é a gente que está viajando, é o nosso corpo. A gente apenas tem consciência disso. A gente não sai da nossa casa porque a nossa casa tá dentro da gente. )


Não levar as coisas tão a sério não é ser leviano.


É apenas não se identificar só com o peso do mundo.


Faz bem desenvolver uma certa malícia para viver no mundo. Isso veio em outra sessão esses dias.


Algo como: Você já é grande, esperta(o), muito mais livre do que foi um dia, você sabe que o mundo não tem nem dá muitas salvações que na juventude a gente acha que precisam existir. O mundo tá cheio de fome, sequelas, ovários policísticos, dengue hemorrágica, incêndios, machos feridos e escrotos, mulheres feridas e feridas, relacionamentos cheios de cagadas, não existe lá muita salvação além de como seus olhos te pintam e sentem as intempéries do mundo. (a nível metafísico, o mundo está dentro de você, com toda sua beleza e feiura, assim como células estão dentro do seu corpo, em guerra umas com as outras)


Entre as notícias graves da TV, a mulher que te pede comida na rua, o vizinho que tentou se matar e a relação que não é tudo aquilo que você esperava, há o espaço que você cava e respeita as necessidades mais básicas do seu sentir. Seja dançando, admirando as estrelas dentro e fora de você ou parando de se cobrar por aquilo que você não pode dar conta no momento.


É isso que vai fazer você dar conta da maioria das coisas que dão pra dar conta. Aposto que você já tá dando de várias, muito mais do que não tá, e nem tá se admirando por isso.


Não levar as coisas tão a sério é ser responsável com o mundo. É entrar na dança do equilíbrio e desequilíbrio da natureza e não se apegar às frustrações do desequilíbrio e da tentativa inumana, antinatural, do equilíbrio.


Pode ver. A gente julga que tá lidando com as coisas de uma maneira mais equilibrada quando para de ter o equilíbrio como meta. O outro como salvação. E aí a gente se salva. Escapa de um monte coisa ruim. Todo dia. É um paradoxo. Mas um paradoxo que pode ser experimentado. É bom vivenciar esse paradoxo.




*Esses textos não correspondem a nenhuma opinião do site em si, são apenas conjecturas particulares baseadas em percepções sobre as Sessões do Caminho e o que absorvo no meu dia a dia, sem visar nenhum ponto final


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