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nós, cavalo indomável

Bruno Goularte

Atualizado: 31 de mai. de 2022

*Bruno Goularte



É comum vermos técnicas de meditação onde somos instruídos a "silenciar a nossa mente". Nos concentramos a ponto de dominar todos os nossos pensamentos. Como se eles fossem milhares de cavalos selvagens a serem domados de minuto a minuto dentro de nós.


O que acontece se você tiver que domar milhares de cavalos por minuto?


Você se cansa.


Provavelmente, se frustra também.


Você diz “eu não consigo”. Talvez desista.


Talvez seja guerreira(o) e queira tanto matar sua sede que fique lá, dia após dia, gerando desgaste para o seu próprio sistema.


O que é estranho, porque, geralmente, os motivos que levam as pessoas a se interessarem por meditação são porque estão ou cansadas, ou frustradas, ou se sentem incapazes de alguma coisa e isso lhes incomoda, ou procuram preencher um vazio manifestado.


Muitas vezes, tudo isso junto.


Não queremos mais passar a vida no automático.


A sociedade, o sistema em que estamos inseridos, parece adorar que nos sintamos assim. Pelo menos, ela trabalha muito para que achemos que o nosso sistema depende e precisa se adaptar a esse sistema maior, quando na verdade, isso nos tira a visão de que esse sistema maior é menor que o nosso próprio sistema.


Pior, somos levados a pensar que o sistema em que estamos inseridos possui as soluções para a saúde do nosso sistema particular, quando também é mais provável que seja ao contrário.


Por isso, é preciso tomar certo cuidado ao começar práticas assim. Que acreditam que temos um inimigo a enfrentar, cavalos a domar, uma voz a calar dentro de nós.


É fato de que existe um estado onde o pensamento, com suas balas de emoções e sensações, não reina - transcendemos a isso a ponto de não ouvi-lo, de o cérebro ficar inoperante para tal, incapaz de decodificar qualquer coisa que se tornará pensamento.


Mas o discurso de silenciar os pensamentos é de uma simplificação perigosa, manipuladora.


Você vai tentar e vai perder essa briga, vai se sentir derrotado. Ou vai trabalhar meses ou anos a fio até achar que venceu e quando isso acontecer sua capacidade de raciocínio estará prejudicada.


Meditar não é fácil nem difícil. Porque a meditação acontece independente de você quando ela tem que acontecer.


Há uma série de erros em cadeia, perigosos, na sociedade da meditação. Todos nós podemos acabar caindo uma hora ou outra quando entramos nesse meio.


Primeiro, a gente (ou a sociedade) muitas vezes conceitua a meditação como se fosse a chave para a realização, o encontro com o Eu real. E quando a gente se frustra porque sentou para meditar e não conseguiu se concentrar, e julga que é difícil, que não somos capazes disso, estamos assim, em um segundo passo, solidificando erroneamente que encontrar a nós mesmos, nossa essência, a paz, o autoconhecimento etc, são coisas longes demais de nós.


Percebe?


Estamos dizendo que não conseguimos nos encontrar. Nos realizar. Porque precisamos domar um milhão de cavalos e isso é muito difícil porque “minha mente é muito agitada”.


É absurdo. Acabamos presos em um ciclo nebuloso quando a gente diz que não consegue controlar nossos pensamentos sendo que quem diz isso é um dos nossos próprios pensamentos.


Não precisamos entrar nesse ciclo.


Se os pensamentos surgem no nosso sistema e morrem no nosso sistema sem que a gente os invoque, assim como as células do nosso corpo, por exemplo, eles só são algo a mais no nosso organismo. Mais umas de muitas ondas. Mais umas de milhões de frequências ou movimentos.


Se tivermos uma sabedoria alinhada ao infinito, com profundo desenvolver da nossa alquimia interna, podemos sim alterar padrões das nossas células, átomos, de maneira consciente e constante.


Para desenvolver isso, não fechamos os olhos e ficamos tentando controlar a produção de células do nosso corpo físico.


Então faz sentido que nos instruam a tentar isso com os pensamentos pois teremos assim um grande resultado?


Repito, não precisamos entrar nesse ciclo.


Não precisamos acreditar que devemos domar esses cavalos, e nem que eles são cavalos, domáveis ou não.


Melhor seria então acreditarmos que nós, sim, somos o cavalo indomável.


Eu sou o cavalo selvagem.


Eu. Como um todo. Não o meu corpo. Não os meus pensamentos. Eu.

Os pensamentos é que ficam tentando me domar de vez em quando. Como se pulassem em cima de mim querendo me frear ou levar para outro caminho.


Mas bem, eu sou o cavalo indomável, podem vir, se não forem interessante para mim, eu empino, empaco, relincho, os deixo cair montanha abaixo e sigo correndo pelo desfiladeiro, livre, na direção que eu bem entender.


Outros vão seguir vindo. Se não me incomodarem, que fiquem comigo, me acompanhem até onde for interessante para eles, se me incomodarem, eu não preciso dar ouvidos às suas direções, porque eu sou indomável afinal de contas. Sigo na minha sabedoria de cavalo selvagem e, aos poucos, eles vão desistindo de me acompanhar.


Acredito que essa seja uma linha muito mais benéfica e menos manipulativa de prática meditativa.


Lembrar que nós é que somos o cavalo indomável.


Seja sentado com os olhos fechados, seja de olhos bem abertos enquanto vivemos nossa vida e cumprimos com nossas obrigações, lidando com o que surge à nossa frente e ancorando nossas escolhas.


Pode vir um medo. Um padrão. Um pensamento sabotador. Um hábito autodestrutivo. Uma regra que nos oprime. E sempre que der, sempre que a gente perceber que tá sendo mais uma vez domado por um desses, a gente lembra o que a gente é, a gente mostra quem a gente é.


Na maioria dos casos, estamos correndo tão rápido, em movimento tão ondulante, que rapidamente os cavaleiros cairão por si só, sem que se quer precisemos pensar sobre isso.


E se alguns desses “inimigos” vão cravar suas unhas e demorar de ir embora, enquanto outros vão cair na mesma hora, não importa.


Sempre que percebermos que estamos sendo domados, a gente lembra mais uma vez, a gente escolhe lembrar, que é impossível nos domar se a gente não quiser. Até ganhar de todos no cansaço.


Aí sim, talvez o estado do não pensamento chegue de vez em quando. Sem que a gente sequer precise perder tempo e energia buscando por ele ou lutando contra um inimigo imaginário que, a bem da verdade, é só mais um pedaço de nós.


E quando absorvemos isso, da nossa própria maneira, podemos trilhar um caminho de real intimidade com o não pensamento.


Isso não é para ser fácil. Não é para ser difícil também.


Perceba que, às vezes, você vai se ver domado por um pensamento, uma crença, um sistema externo ao seu corpo e à sua razão, e isso não quer dizer que você tenha perdido, só é uma chance de você lembrar que é impossível te domarem, para então tomar ou criar outro rumo.


São milhares as armadilhas que nos diminuem e enfraquecem. Que nos colocam arreio, sela e antolhos. Algumas vêm do nosso próprio intelecto ou sistema interno. Outras vêm de fora. Tanto faz qual influenciou qual se temos em mente que é impossível nos domar. E que vamos fazer o que for preciso para deixar isso bem claro.


Quanto mais a gente se lembrar disso quando percebermos nossa força se esvaindo ou tivermos dificuldades para encontrar uma harmonia em nós, mais atentos estaremos para as próximas armadilhas a serem desviadas.


Assim se continua uma vida.


Não importa se você está no céu ou na lama. No pódio ou na lona. Se você está presente em sua força inalterável. Em seu coração indomável. Você está passando da melhor maneira possível pelo que se apresenta. Isso, para mim, é realização.


Gosto, às vezes, de vislumbrar um mundo de pessoas realizadas. Cientes de sua indomabilidade.


Um mundo onde todos convivem mas cada um enxerga as coisas à sua própria maneira.


Dessa forma, cada um contribui na construção do mundo exatamente com o que atiça sua liberdade.


Exemplo:


estamos na praia. Maria pode olhar o mar ao meu lado e João olha também o mar ao lado de você, que está lendo este texto.


Cada um olha o mar à sua maneira. Não deixando com que nenhum pensamento, conceito já ouvido, crença, opinião alheia lhe dome enquanto se está olhando o mar. Essa é uma boa forma de se conectar com seu sentir e, aos poucos, limpar os registros limitadores da nossa visão e percepção de mundo.


E então, devido a todos os acontecimentos e acidentes que já me tocaram enquanto indivíduo, quando olho o mar sem nenhum preconceito, apenas dando atenção ao que está à minha frente, e consigo viver só o meu sentir de maneira profunda, o que vejo são cores, ondas de frequências traduzidas nas mais diversas cores, cores que o olho humano da nossa sociedade atual desconhece.


Maria, ao meu lado, olha o mar despida de todos os conceitos que seus pensamentos podem trazer à tona, também conectada com seu sentir de maneira profunda - esse é um mundo onde fomos por muito tempo estimulados a isso afinal - e tudo que ela vê são números, zeros e uns, formando o que chamamos de mar.


João também olha o mar com sua atenção específica, e dentro de cada gota que forma o pedaço de oceano à sua frente enxerga uma miríade de seres mágicos e encantados que sustentam a vida e a morte de cada uma daquelas gotas.


Você olha o mar à sua maneira, o mesmo mar que nós todos estamos olhando, e, não sei, enxerga o grande espírito do mar, ou algo como estrelas e luzes que exalam sons ao invés dessa forma que todos nós percebemos a água.


Todos nós, nesse exemplo, recebemos algo do mar e damos algo para o mar. E temos ciência do que estamos dando e recebendo porque estamos abertos para o nosso real sentir e isso abre esse tipo de relação, com as trocas e comunicações que surgem dela.


Então o mar para cada um de nós traz algo diferente e específico e cada um de nós pode contribuir com o mundo de uma forma única de acordo com o conhecimento que nos é dado pelo mar.


Isso tudo porque enquanto dávamos atenção ao momento em que vivíamos naquela praia, estávamos plenamente cientes de que somos cavalos indomáveis. Pensamento algum, conceito algum, nos tiraria de enxergarmos com os nossos próprios olhos e muito além de nossos próprios olhos, enxergarmos com todo o nosso corpo e muito além do nosso próprio corpo.


É estranho imaginar a possibilidade de uma sociedade assim.


Mas é bonito também.


E essa beleza só se torna possível quando, um por um, abrimos as portas para essa liberdade.


A chave para abrir essa porta nunca será a meditação do silenciamento forçado, a meditação que se busca, e que acaba por se encerrar em si mesma. Não é domesticar a mente ou brigar e nos punir por conta de meros desejos que brotam em nós.


A chave para abrir essa porta, cada um forjará com seu próprio ouro.


Um ouro que adquirimos, dia a dia, ao darmos atenção para a beleza de um cavalo selvagem correndo livre pelas pradarias, impossível de ser domado.


A beleza em um cavalo selvagem reside no fato de que nós somos ele.







*Esses textos não correspondem a nenhuma opinião do site em si, são apenas conjecturas particulares baseadas em percepções sobre as Sessões do Caminho e o que absorvo no meu dia a dia, sem visar nenhum ponto final.




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